Gata de Rodas - São Paulo Cycle Chic

quarta-feira, 3 de março de 2010

Crônica das onze horas

Começou com a ciclista toda feliz porque o outono teve saudade e derrubou mais cedo o calor insuportável que andava fazendo na cidade. E porque ela voltou a pedalar depois de duas semanas meio que longe da bicicleta, o que já estava deixando-a um pouco mal humorada.

E por causa de uma certa preguiça, ela resolveu fazer o caminho mais plano, com direito a contravenções, porque pegava uns bons trechos de calçada. E ainda por cima, resolveu pedalar pela primeira vez com o iPod no ouvido, com a trilha de “500 dias com ela”. Sorrindo, se assustou quando percebeu que estava conseguindo pedalar de pé na bike depois de dois meses tentando desajeitadamente.

No caminho, cruzou com uma família na calçada, cheia de filhos pequenos, e enquanto o pai dizia para o filho menorzinho e todo ranhento “cuidado com a bicicleta”, ela reduziu e sorriu para o
menino, que sorriu de volta com a carinha toda melecada.

Dessa vez não foi xingada por ninguém, mas quase teve uma colisão. Um moço de bicicleta vinha pela mesma calçada no outro sentido, e os dois desaleraram, se desviaram e sorriram, e ela quase ficou com pena de não ter batido porque ele tinha um sorriso tão bonito que ela teve vontade de conversar com ele.

Aliás, ela pensou, foram quatro ciclistas hoje. Todos com cara de que iam para algum lugar, de bagageiro com alforge e tudo, o que era incomum naquele percurso dela. E sorriu de novo pela companhia anônima nas ruas.

Chegou no trabalho às onze horas, com o cabelo cheio de pontinhas que ela adorava, que secador nenhum conseguia fazer, só o vento da bicicleta. Sobre a bike, deu bom-dia para sete pessoas, mesmo na cidade cinza, cheia de SUVs (um dos quais quase passou por cima dela um
pouco mais cedo) e policiais e agentes da CET semicegos.

Às vezes as vida podia ser bonita sem razão nenhuma.

9 comentários:

  1. que lindo! adorei a crônica... deu até vontade de pedalar... (e ouvir "Sweet disposition" - do The Temper Trap, trilha sonora desse lindo filme ;))

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  2. Lindo mesmo. Muito legal. Só que vou bater em você quando te encontrar, Vê.

    Não vivo sem música mas me dá frio na barriga de saber que você pededala com fones de ouvido e ainda sem capacete. Não ME importa se a distância é curta. Nas ruas sempre tem motorista folgado que se vale da buzina pra se isentar da falta da imprudência. -- stan

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  3. Stanley, precisamos educar o que você chama de motorista folgado... E o sorriso é um bom material didático... Quanto as régras, precisam de urgentes aprimoramentos... Você de costas para eles em velocidade, em micro largura de faixas, a distância bem menor do que a regra de ultrapassar de 1,5 metro... É arriscar mais do que as calçadas ou sarjetas enxergando o folgado de frente

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  4. Moro em Santos e só consigo andar de bicicleta em razoável segurança se for nos poucos quilômetros de ciclovias. Nas ruas não dá. Muitas vias aqui da cidade são estreitas, pois suas construções têm mais de 400 anos; ou seja, a cidade não oferece boas condições para os ciclistas. Agora, pedalar no interior, fazer trilhas, isso é comigo mesmo :)
    Muito bacana o seu texto! Parabéns!

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  5. Não conheço as ciclovias de Santos, RM, então minha opinião sobre onde você mora fica difícil...

    O que posso dizer é que fiz essa crônica para combater uma onda de pessimismo que se abateu sobre colegas ciclistas daqui de São Paulo, que relataram problemas e dificuldades que devem ser semelhantes aos que você enfrentou.

    Meu cotidiano tem momentos pesados na bike também. Mas eu prefiro olhar o copo meio cheio. Não só com a bicicleta, mas com tudo na vida.

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  6. Adorei seu texto!! Aos poucos começo a abandonar o estilo esporte de pedalar e usar umas roupas mais normais. Quando saio de vestido (com um shortinho por baixo), as pessoas ficam visivelmente confusas... e eu me divirto com isso!

    Boa pedalada, sempre!

    Ah, e sobre o fone de ouvido... tem solução... procure fones de um ouvido só, e deixe num volume entre baixo e médio. Assim vc pode ouvir música, mas não precisa de arriscar a não ouvir a buzina, que tb é mto importante!

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  7. Poizentão... Tambem prefiro olhar o copo meio cheio...
    Saudações Verônica.

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  8. Eduardo, Poizentão, obrigada pelos comments. :)

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  9. Muito legal esse texto, especialmente pelo tom encorajador! Eu também me 'arrisco' por aí na bike em meio ao centro urbano de Sampa, mas creio que tendo um espelhinho, você consegue se garantir melhor... eu que já dirigi também durante muito tempo vi que foi minha solução o espelhinho, pois dá o controle que faz mais falta (esse poder 'olhar pra trás')

    Muito legal a 'pegada chic' do blog, Vê! parabéns pela idéia! além de melhorar a força e saúde, que literalmente vai te render anos extras de alegria e consciência quando a velhice chegar!(se o mundo não acabar antes, claro hehe)

    como já dizia Riobaldo, 'viver é muito perigoso' e vale a pena o esforço! um beijo!

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